Bom Gourmet
Alta gastronomia não existe, entenda por quê
É muito comum ouvir que determinado restaurante ou chef trabalha com “alta gastronomia”. E, até um tempo atrás, pouco se questionava o termo. Mas pesquisadores da área de alimentação têm mudado o termo para “alta cozinha”. A justificativa, sob uma perspectiva sociológica, é de que “alta gastronomia” implica em uma alimentação ser superior às demais.
Um provável erro de tradução do francês para o português, no início do século 20, originou o termo. “Traduziram haute cuisine como alta gastronomia em vez de alta cozinha”, explica Vander Valduga, professor e pesquisador em alimentos e bebidas da Universidade Federal do Paraná (UFPR). “Em inglês usa-se o termo fine dining, e em italiano, alta cucina, que também seria alta cozinha em português”, completa.
A diferenciação entre gastronomia e cozinha não é à toa: os termos não são sinônimos. O termo gastronomia passou por uma transformação ao longo dos anos. Na origem da palavra, seria o “estudo e observância das leis do estômago”. “Atualmente o termo gastronomia inclui as produções agroalimentar, cultura alimentar, todos os processos dentro disto, os insumos, a preparação e a distribuição. Também envolve questões éticas e experiência de consumo”, define Valduga.
Cozinha, por sua vez, diz respeito à técnica, algo que se aprende ou se compra (no caso de equipamentos) e que faz parte do universo complexo que a gastronomia abarca. “Alta cozinha evoca sofisticação de técnica e de apresentação, cuidados que nem sempre há na chamada “baixa gastronomia”, que valoriza qualidade, sabor e quantidade da porção”, explica Marina Ferreira, cujo tema de pesquisa de mestrado foi baixa gastronomia em Curitiba.
Baixa gastronomia
Como uma resposta irônica ao termo alta gastronomia, cunhou-se o termo baixa gastronomia. “É uma certa provocação do imaginário construído em relação à alta gastronomia”, explica Marina.
O primeiro registro, segundo a pesquisadora, foi em um texto do jornalista e escritor Ruy Castro, citando uma expressão que sua esposa Heloísa Sanches usava como referência à cozinha de boteco. “Em minhas pesquisas, encontrei um registro atribuindo o termo a Ruy Castro em 2004 em uma coluna sobre um festival gastronômico no bar paulistano Pirajá”, diz a pesquisadora. O termo pegou. Tanto que em 2012 o blog Curitiba Baixa Gastronomia começou a ser publicado pelo Bom Gourmet. O conteúdo, atualmente, é publicado mensalmente na revista Bom Gourmet.
Mas Marina não encontrou uma expressão equivalente em outras línguas que evoque o imaginário da comida farta, servida de maneira simples (no bar, lanchonete ou em restaurantes cujo serviço não preza pela formalidade). “O modelo que o termo baixa gastronomia evoca existe em todos os lugares, como a comida de pub e de rua, por exemplo. Mas a expressão, por enquanto, me parece bem particular da língua portuguesa”, diz a pesquisadora.
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